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Ela era linda. Amiga de seu amigo. Uns olhos azuis que
não lhe cabiam no rosto e um cabelo preto, que escorriam pelos ombros. As mãos,
muito brancas, expunham, sem alarde, duas ou três veias que gritavam azuis por
baixo da pele fina.
Vestia um casaco grosso e de capuz, próprio para lhe
proteger da neve grossa que caía naquele outono choroso e de dias cada vez mais
curtos. Assim que se livrou do agasalho pesado e ainda molhado pelo tempo,
entregou a ele um sorriso contagiante.
Meio vendido, e sem ao menos saber o que dizer, retribuiu
o sorriso e encostou-se, tímido, na parede que separava a o quarto da sala
aquecida. Ficou assim por alguns minutos, olhando ora para a mulher que roubava
a luz do ambiente ora para o colega de morada, de quem era hospede e parceiro.
A mulher tirou o cachecol, que ajudava a compor o necessário
figurino europeu e o atirou ao sofá ao lado do aquecedor. Provocante e
parecendo bem à vontade, sentou-se na poltrona e cruzou as pernas: “longas
pernas de garça branca”.
Sem guardar o sorriso da chegada, com gestos de fácil
decodificação, a bela mulher chamou-o para perto de si. Queria mesmo
conhecer-lhe. Tivera referências suficientes do amigo e conterrâneo para acreditar
que ali estava um homem que valia à pena conhecer. E queria. Tinha vindo pra
isso. Assim que o homem sentou-se ao seu lado, ao sentir o seu calor e cheiro
foi que teve certeza de que o convite tinha valido à pena.
Sentaram-se lado a lado e, à medida do possível trocaram
informações do que eram e do que queriam ser. Conversaram sobre experiências
pessoais, política, arte, turismo, amor e... sexo.
A harmonia virou cumplicidade e a cumplicidade, desejo. A
sala parecia vazia e o outro casal, que por questões óbvias se dirigiram ao
quarto, já nem mais existiam para ambos.
E por assim ficaram, por intermináveis e agradáveis minutos.
Estavam se conhecendo e gostavam disso.
A curiosidade inicial, como previsível, deram lugar aos
carinhos, e daí, ela esperava, às carícias teriam chegado forte e absolutas,
caso não acontecesse o inusitado. Numa atitude rápida e impensada o homem
levantou-se. Em gestos bruscos, que à mulher pareceram agressivos e exagerados,
pegou o casaco que deixara pendurado no cabideiro e se dirigiu à por ta de
saída.
O movimento e o ruído provocados chamou a atenção do outro
casal, que chegou à porta curioso. O amigo ainda pode lhe enviar um olhar de repreensão
e crítica. A bela mulher, mesmo que assustada, trazia no rosto certo ar de
entendimento. Ouvira algo que justificava o ato. Não o condenou, mas patinou
emocionalmente entre a admiração e a tristeza de não ser o alvo dessa tão
visceral manifestação de limites.
Ele, andando sem destino pela cidade fria, e pensando num
amor distante, não tinha certeza se tinha tomado a atitude certa. Mas não
importava muito. Naquele momento optou por ser o melhor dos homens, ao invés de
ser o mais previsível e viril.
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