terça-feira, 10 de janeiro de 2012


Futuros plausíveis


Levantou as calças, sentou na beirada da cama e acendeu um cigarro. Olhou na direção da mulher, nua, deitada de costas. O corpo era uma coisa que jamais havia visto. Lindo mesmo. Ela se virou e olhou-o com certa ternura.
— Sabe, foi bom. Sei que você já deve ter ouvido isso de diversas mulheres do meu tipo, mas é sincero: foi bom mesmo. Você é diferente dos outros homens e eu simpatizei desde a hora que conversávamos lá no bar.
— Diferente como?
— Não sei explicar, diferente. E só. Talvez seja o seu olhar triste. Talvez porque você me tratou desde o começo como mulher e não como puta. Me pareceu que você olhava através de mim. Tipo querendo ter não apenas o meu corpo.
Não pense que eu não sei o que sou. Sou e, ao contrário deste monte de histórias repetitivas, de falta de opção, de príncipe encantado e coisa e tal, gosto disso. Gosto do que eu faço. Me sinto poderosa.
— É, sou obrigado a admitir que você também é diferente das outras. Em primeiro lugar porque fala bem e, pela nossa conversa, é muito bem informada. Você estudou.
— Sim. Fiz Jornalismo.
Ele arregalou os olhos, surpreso.
— E por qual motivo você está aqui?
— Já te disse, eu gosto.
— Até essa parte eu entendo, mas além do que você acabou de me dizer, você é jovem e muito bonita. Podia pelo menos estar num outro nível. Sei lá, um lugar mais fino.
— Não seja bobo. Você não entendeu. Gosto é exatamente daqui. Esse lugar tem vida. Os homens ricos são arrogantes e às vezes agressivos. Os daqui não. São humanos. Guardam um monte de histórias na pele, nas rugas. Os que me procura aqui são frágeis. Gente que sofre e precisa de mim. Não vêm em busca de sexo, mas de atenção e carinho.

Ele ficou sem palavras. Não sabia o que dizer. Jamais tinha ouvido uma declaração tão consistente e lógica. Fixou os seus olhos nos da jovem e por um momento pensou que poderia amá-la pra sempre. Sua feminilidade vazava pelos poros. Dona absoluta de si, tinha um olhar de musa. Sua segurança assustava e atraía ao mesmo tempo. Pequenas gotículas de suor sobre o buço faziam a sua boca brilhar como se houvesse purpurina. Os seios à mostra ainda estavam com os bicos cor de rosa salientes.
Ela repetiu.
— Gostei de você mesmo. Acredita em mim?
— Sim, eu acredito. Até mesmo porque você não ganharia nada mentindo pra mim. Também começo a acreditar que há algo em você que escapa à minha compreensão. E o que é pior, isso me agrada muito.

Ficaram novamente calados. Se olhando, e só.
Permaneceram assim por alguns minutos até que ele enfiou a mão no bolso e tirou um maço de notas. Tinha muito dinheiro. Pegou todas as notas e pôs sobre a cama, ao lado da mulher, ainda nua. Ela não olhou para o dinheiro: continuou com os olhos fixos nos do homem.
— Olha, você é linda e apaixonante. Eu acho que seria capaz de te amar pra sempre.
— Sim. Sei do que você está falando. Também senti isso, e também acho que não seria nem um pouco difícil me apaixonar por você. Mas não posso mentir que essa sensação que ambos estamos sentindo é recorrente na vida de gente triste. Você está me prometendo uma felicidade que você não tem: é um blefe. Faz parte do egoísmo que acompanha o desejo. No fundo você quer mesmo é que eu assuma a responsabilidade de te fazer feliz. Eu até gostaria de fazer isso, mas não posso, porque tenho muito medo de falhar. Por isso optei por dar a vários homens momentos de alegria ao invés de dar a um só felicidade eterna. Isso eu faço bem, e me sinto bem. Um paradoxo entre egoísmo e altruísmo: me completa.

Ele mais uma vez ficou atônito. Pensava que tipo de mulher era aquela. Abaixou a cabeça e sentiu um arrepio. A garganta seca e o coração disparado. Caminhou até a porta e abriu. Olhou mais uma vez para aquela mulher impressionante e sorriu. Dos seus olhos escorreram num átimo de segundos dez ou vinte anos de sonhos futuros. Em cada um deles ela estava presente. Voltou até perto da cama, deu-lhe um beijo na boca. Ela, contrariando a regra, retribuiu com boa vontade. Ele fez um carinho no cabelo preto e escorrido e saiu.
Ela permaneceu na cama, nua, olhando em direção à porta entreaberta. Fechou os olhos, imaginou milhares de momentos de uma vida futura e inexistente. Nesta, prazeres incontáveis e intensos. Todos na companhia do homem que acabara de sair. Só estranhou que em nenhuma das imagens imaginadas conseguia ver o seu rosto. Arrepiou-se e abriu os olhos. Ouviu o burburinho do lado de fora do quarto.
Levantou-se num estalo, tomou um banho e voltou para a área do bar. Colocou uma ficha na máquina e começou a dançar freneticamente em frente às luzes que piscavam no ritmo.
Um homem chegou por trás e a acariciou na barriga e nos seios. Antes de se virar, enxugou as lágrimas, ofereceu-lhe um sorriso largo, pegou-lhe pela mão e começou a caminhar em direção ao quarto.
Assim que entraram, tirou a roupa e deitou-se nua na cama. Ele perguntou se podia apagar a luz: ela assentiu com um gesto de cabeça. As lágrimas voltaram em profusão e lhe molharam o rosto inteiro.
Enquanto o homem se fundia a ela, ausentou-se em novos sonhos. Nestes, o rosto do outro lhe apareceu nítido e triste: mas sorria. Sua alma apertou-se e um frio lhe percorreu toda a espinha.
Deste dia em diante, para o resto da sua vida, todos os homens em sua cama passaram a ter aquele mesmo rosto?

Nenhum comentário:

Postar um comentário