Futuros plausíveis
Levantou as calças, sentou na beirada da cama e acendeu
um cigarro. Olhou na direção da mulher, nua, deitada de costas. O corpo era uma
coisa que jamais havia visto. Lindo mesmo. Ela se virou e olhou-o com certa
ternura.
— Sabe, foi bom. Sei que você já deve ter ouvido isso de
diversas mulheres do meu tipo, mas é sincero: foi bom mesmo. Você é diferente
dos outros homens e eu simpatizei desde a hora que conversávamos lá no bar.
— Diferente como?
— Não sei explicar, diferente. E só. Talvez seja o seu
olhar triste. Talvez porque você me tratou desde o começo como mulher e não
como puta. Me pareceu que você olhava através de mim. Tipo querendo ter não
apenas o meu corpo.
Não pense que eu não sei o que sou. Sou e, ao contrário
deste monte de histórias repetitivas, de falta de opção, de príncipe encantado
e coisa e tal, gosto disso. Gosto do que eu faço. Me sinto poderosa.
— É, sou obrigado a admitir que você também é diferente
das outras. Em primeiro lugar porque fala bem e, pela nossa conversa, é muito
bem informada. Você estudou.
— Sim. Fiz Jornalismo.
Ele arregalou os olhos, surpreso.
— E por qual motivo você está aqui?
— Já te disse, eu gosto.
— Até essa parte eu entendo, mas além do que você acabou
de me dizer, você é jovem e muito bonita. Podia pelo menos estar num outro
nível. Sei lá, um lugar mais fino.
— Não seja bobo. Você não entendeu. Gosto é exatamente
daqui. Esse lugar tem vida. Os homens ricos são arrogantes e às vezes
agressivos. Os daqui não. São humanos. Guardam um monte de histórias na pele, nas
rugas. Os que me procura aqui são frágeis. Gente que sofre e precisa de mim. Não
vêm em busca de sexo, mas de atenção e carinho.
Ele ficou sem palavras. Não sabia o que dizer. Jamais
tinha ouvido uma declaração tão consistente e lógica. Fixou os seus olhos nos
da jovem e por um momento pensou que poderia amá-la pra sempre. Sua
feminilidade vazava pelos poros. Dona absoluta de si, tinha um olhar de musa.
Sua segurança assustava e atraía ao mesmo tempo. Pequenas gotículas de suor
sobre o buço faziam a sua boca brilhar como se houvesse purpurina. Os seios à
mostra ainda estavam com os bicos cor de rosa salientes.
Ela repetiu.
— Gostei de você mesmo. Acredita em mim?
— Sim, eu acredito. Até mesmo porque você não ganharia
nada mentindo pra mim. Também começo a acreditar que há algo em você que escapa
à minha compreensão. E o que é pior, isso me agrada muito.
Ficaram novamente calados. Se olhando, e só.
Permaneceram assim por alguns minutos até que ele enfiou
a mão no bolso e tirou um maço de notas. Tinha muito dinheiro. Pegou todas as
notas e pôs sobre a cama, ao lado da mulher, ainda nua. Ela não olhou para o
dinheiro: continuou com os olhos fixos nos do homem.
— Olha, você é linda e apaixonante. Eu acho que seria
capaz de te amar pra sempre.
— Sim. Sei do que você está falando. Também senti isso, e
também acho que não seria nem um pouco difícil me apaixonar por você. Mas não
posso mentir que essa sensação que ambos estamos sentindo é recorrente na vida
de gente triste. Você está me prometendo uma felicidade que você não tem: é um
blefe. Faz parte do egoísmo que acompanha o desejo. No fundo você quer mesmo é
que eu assuma a responsabilidade de te fazer feliz. Eu até gostaria de fazer
isso, mas não posso, porque tenho muito medo de falhar. Por isso optei por dar
a vários homens momentos de alegria ao invés de dar a um só felicidade eterna.
Isso eu faço bem, e me sinto bem. Um paradoxo entre egoísmo e altruísmo: me
completa.
Ele mais uma vez ficou atônito. Pensava que tipo de
mulher era aquela. Abaixou a cabeça e sentiu um arrepio. A garganta seca e o
coração disparado. Caminhou até a porta e abriu. Olhou mais uma vez para aquela
mulher impressionante e sorriu. Dos seus olhos escorreram num átimo de segundos
dez ou vinte anos de sonhos futuros. Em cada um deles ela estava presente. Voltou
até perto da cama, deu-lhe um beijo na boca. Ela, contrariando a regra,
retribuiu com boa vontade. Ele fez um carinho no cabelo preto e escorrido e saiu.
Ela permaneceu na cama, nua, olhando em direção à porta
entreaberta. Fechou os olhos, imaginou milhares de momentos de uma vida futura
e inexistente. Nesta, prazeres incontáveis e intensos. Todos na companhia do
homem que acabara de sair. Só estranhou que em nenhuma das imagens imaginadas
conseguia ver o seu rosto. Arrepiou-se e abriu os olhos. Ouviu o burburinho do
lado de fora do quarto.
Levantou-se num estalo, tomou um banho e voltou para a
área do bar. Colocou uma ficha na máquina e começou a dançar freneticamente em
frente às luzes que piscavam no ritmo.
Um homem chegou por trás e a acariciou na barriga e nos
seios. Antes de se virar, enxugou as lágrimas, ofereceu-lhe um sorriso largo,
pegou-lhe pela mão e começou a caminhar em direção ao quarto.
Assim que entraram, tirou a roupa e deitou-se nua na
cama. Ele perguntou se podia apagar a luz: ela assentiu com um gesto de cabeça.
As lágrimas voltaram em profusão e lhe molharam o rosto inteiro.
Enquanto o homem se fundia a ela, ausentou-se em novos sonhos.
Nestes, o rosto do outro lhe apareceu nítido e triste: mas sorria. Sua alma
apertou-se e um frio lhe percorreu toda a espinha.
Deste dia em diante, para o resto da sua vida, todos os
homens em sua cama passaram a ter aquele mesmo rosto?
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